Comunicado: Manifestação pela Habitação 22 de Setembro 2018

Carta às Bizinhas

Amores! Soube ontem qu’aquele palavrão com o qual nos enfeitam os ouvidos, sabem? Aquele que dizem que a palavra fala de nós e pensámos que era fixe termos um nome para a nossa desgraça: GENTRIFICAÇÃO. Afinal, fala mas é dos ricos! A palavra quer dizer emburguesamento. Vejam lá, é uma palavra estrangeira: gentry , sei lá como se pronuncia! Como se já não nos tivessem sugado até ao tutano no passado, ainda por cima deixam-nos uma palavra suja, badalhoca mesmo! Se assim é, que venham daí os ricalhaços que já lhes damos no toutiço burguês!

Então, é assim, gentrificação é tipo uma
manha para tirar umas pessoas, nós, e pôr outras no nosso lugar. Mandam-se os pobres pó caralho mais velho e arranjam ascasas e põem-se lá os ricos a viverem. Sim, a viverem, nas casas que eram nossas, mas melhoradas, claro! Nas casas onde nasceram as nossas avós, avôs, mães, pais, filhas e filhos. Nas casas onde comemos durante anos, onde ralhámos, rimos e chorámos.

Mas, soube ontem que não é só aqui! Os estados e os governantes têm todos a mesma manha. Aprenderam uns com os outros e fazem todos igual. Soube ontem que a coisa faz-se em sete pontos. Sete vejam bem! Sete fases para dar cabo das nossas vidas.

1º Fazem grandes projectos municipais culturais para mostrar que somos um povo culto e nós como por milagre não fazemos parte da cultura. Vá-se lá saber porquê.

2º Apoiam a instalação de certos comércios, como toda a porra das lojas gourmet que apareceram a vender latas de sardinhas em picante ou todo o tipo de patês com vinho do porto; mas também dumas boîtes na moda, espaços artísticos, cafés e restaurantes, que nem sei bem como uma pessoa se pode sentar ali, lojas de arte e bugigangas, salas de concerto, cinema com certos tipos de filmes, como o Trindade. Sabem, esses tipos de comércios. Dizem que em breve vai haver aquelas lojas biológicas, qué isso caralho!? Então as couves, batatas, flores que trazem a Micas e o Joaquim à sexta da Maia, isso vai acabar? E dizem também que vão abrir lojas de comércio justo. Justo? Mesmo? O comércio? Não percebo.

3ºA câmara faz grandes obras públicas, creches, espaços universitários, esquadras todas janotas, espaços verdes ecológicos limpinhos para ninguém se sujar, um sistema de aluguer de bicicletas. Eu de bicicleta até ia do Marquês à Ribeira desde que a  pudesse deixar lá em baixo e voltar de metro! e a construção denovas vias, sei-lá, isso até dava jeito, mas quanto é que nos vãosacar a nós que ainda vivemos e trabalhamos na cidade?

4º Depois disto tudo, começam a fase da limpeza social: aumento das rendas à volta dos sítios, onde acâmara fez obras, como na rua das flores, na praça das cardosas; aumento dos despejos colectivos com o argumento de que as casas são insalubres – qual insalubre, qual carapuça! Vivo aqui há 20 anos e nunca estive doente de insalubridade, umas constipações no Inverno como toda a gente! Tiram as putas do bairro para criar um negócio mais rendoso e organizado, com página na net, e chamam a isso serviço de acompanhantes, ou escort (que é para vender aos camones). Mudam o mobiliário urbano para impedir queos sem-abrigo possam sujar os banquinhos, em alguns sítios até os tiraram, nem nos podemos sentar para esperar o autocarro! Põem câmaras de segurança por todo o lado e dizem que vai haver uns batalhões de polícia urbana de proximidade. De que têm tanto medo caralho?

5º Dizem que com menos pobres, o bairro vai atrair artistas de vanguarda, estudantes de erasmus, turistas, estrangeiros ricos. O que é isso? Sempre pensei que os artistas eram mais que pobres, tirandoaqueles com cunhas, sempre pensei que os estudantes não eram propriamente ricos, e achava que os turistas vinham porque até gostavam das nossas tascas e que os estrangeiros preferiam viver no Algarve, na praia. Quando os artistas vierem pr’aqui dizem que também vêm os seus bajuladores, admiradores e compradores. Não sabia destas coisas, nem sabia que se podia saber tanto de quem vai onde e para quê. Devem servir para isso as câmaras em todas as esquinas.


6º Então, dizem que a seguir vem a fase do sonho. O sonho deles é quando os pobres se vão embora. Sonho com muita coisa, mas este sonho não é o meu! Dizem que estas novas comunidades de bairro é tudo malta que vai às urnas,
e como tem mais guito e compra mais coisas, faz muita reciclagem, e direitinha, que chama a polícia por tudo e por nada, que come mais, mais gourmet, mais biológico.Também dizem que a pessoa que compra mais coisas é mais sossegada. Bom, também eu quando como muito, fico mais sossegada até acabar a digestão! Dizem que os que práqui vierem são aqueles que fazem petições ou manifestações virtuais no facebook, não vão gritar prá rua. Pra qué qu’isso serve? Dizem que isso traz pacificação social. Ora essa é boa!7º Esta é a última fase. É quando os polícias vão espancar os pobres por serem pobres e proteger os ricos por serem ricos.É isso amores!
E nós?
Sei lá! Só nos resta deixarmos de ser pobres antes que nos expulsem deste mundo e que nos mandem para uma lua qualquer, mas somos tantas que acho que seria preciso mais do que uma lua distante.
Portanto, só nos resta sermos o que somos e gritarmos juntas!

Porto, Setembro 2018
GERA – Grupo Erva Rebelde Anarquista
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