Olimpo

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Texto e desenho: K

Reverteram-se os papeis e as nuvens viraram calabouços. Em segundos a força da subida é a
própria gravidade. Viraram-se os papeis, e aqueles que vestiam máscaras encontram-se agora no
público, os deuses desceram do monte Olimpo para nos vir lavar os pés.
E tu, no meio de todo o caos gerador, com um sorriso parvo na cara. Não te faltou ver nada, só
subiste para onde a tempestade não chega. Entretanto vês todos arrastados pelo dilúvio e ris-te
porque sabes que o caos não se lava com água.
Tu que estavas nas caves vestido de lodo e vieste à tona quando ninguém pensava que podias
flutuar, ainda achavam que eras pedra quando o teu sorriso encardido se descolorou com o sol.
E depois? podias ter batido com o pé e ordenado ao mundo e ao sol que desse a volta completa,
a derradeira, para cair o que estava para cair e finalmente retornar o equilíbrio: se cai, do chão
não passa.
Abdicaste da tua última refeição e nem para proferir as tuas últimas palavras abriste a boca
quando te puseram a cabeça debaixo da lâmina - deixaste que o silêncio falasse por ti e silêncio já
vem calado desde o início.
O cenário não era muito maior que uma caixa, tinha um buraco no topo onde mal passava um
dedo mas os ratos safaram-se porque tinham a espinha mole. Tu tinhas a cabeça toda lá dentro, a
ser roída, não querias sequer sair porque do buraco vinha uma escuridão medonha - tinhas-te
habituado à dor e ao meio-tom das paredes. Mas alguém veio com um martelo e bateu 3 vezes
antes da caixa se desmontar. O teu pescoço sofreu um pouco e não conseguiste virar a cabeça
durante uns dias. E quando conseguiste foi apenas para ter tempo de ver a água a vir e correr,
fugir, trepar para um sítio alto.
Agora sorris da acrópole, mesmo que seja por pouco tempo. Sabes mesmo que ninguém te tenha
ensinado que daqui a uns minutos o sol te vai desidratar, e uma lupa nos teus lábios vai ser para
ver apenas pó. Mas esses minutos antes do carrasco vir, tinhas a honra para te encher o
estômago e o silêncio para te aquecer as costas e agora só tens uma luz intensa e a água já vai
pelos joelhos, é mergulhar ou derreter.
Entretanto tens o sabor agridoce que te deixa a salivar e pedes por mais, enquanto sorris
pateticamente, olhos velados porque olhaste demasiado para o sítio de onde vinha a luz.
De repente decidiste bater do pé e ordenar ao mundo que desse a volta contrária para as caves
voltarem à superfície mas já estás a meio do processo e até tu sabes que é irreversível.
És consumido porque te decides e porque não te decides.
E acordas outra vez no meio do escuro - outra vez para descobrir onde estás.